Álbum afirmativo da cidade de São Paulo

Coordenação: Guilherme Bretas.  Curadoria: Ana Paula Rodrigues Borges. Pesquisa: Rodrigo Augusto das Neves. Texto: Giselle Beiguelman

O fotógrafo Militão Augusto de Azevedo (1837-1905) é recorrentemente associado às suas fotos de paisagem, especialmente as que entraram para a história com o Álbum Comparativo da Cidade de São Paulo. Mas Militão foi também fotógrafo de estúdio. No seu Photographia Americana, produziu mais de 12 mil retratos, entre os quais raríssimas fotos de ex-escravizados que integram o acervo do Museu Paulista da USP. A localização do estúdio no Largo do Rosário, local diretamente relacionado à presença negra na cidade de São Paulo, explica essa afluência.

O conjunto de imagens é significativo não só da biografia artística de Militão, mas também da historiografia paulista, inserindo elementos importantes para relativizar a ideia fartamente difundida da cidade italiana, que ‘brota’ da cultura cafeeira sem vínculos com o passado escravagista. Em 1870, lembra a urbanista Raquel Rolnik, dos 32 mil habitantes da cidade de São Paulo, um terço era de negros e pardos. Além de sublinhar a presença urbana dos negros na formação da metrópole, também chama a atenção no conjunto de fotos de pessoas negras feitas por Militão como os métodos de captação fotográfica do século XIX homogeinizam os corpos em poses que abolem as suas diferenças.

Difícil discordar da teórica e ativista Ariella Aysha Azoulay quando afirma que o obturador fotográfico é a primeira tecnologia do olhar imperialista. Mas chama a atenção também, para além dos rituais de controle dos corpos que se consolidam no contexto da Revolução Industrial, as marcas da violência do escravagismo que não podem ser isoladas das fisionomias retratadas.

Partindo dessa análise, demonumenta convidou o Coletivo Malungo da FAUUSP e a equipe do Preta Lab para gravar vídeos registrando suas emoções frente a essas imagens. Esses vídeos funcionaram como uma espécie de gatilho de memórias traumáticas que foram utilizados na animação dos retratos de Militão Azevedo, por meio de recursos de Inteligência Artificial. Para tanto, trabalhamos com o código First Order Motion Model For Image Animation de geração de deepfakes, em uma espécie de engenharia reversa. Ao invés de objetivar criar um Trompe-l’oeil de um passado que não foi, procuramos fazer reverberar nossa questão central: como dar voz ao silenciado, respeitando o silêncio de sua dor?

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