A construção de uma narrativa
Texto: Giovanna Fluminhan. Modelagem 3D: Gabriel Paraizo Santos. Roberta Kimberly Calandrine Azevedo dos Santos. Rodrigo Simões Ferraz do Amaral. Rogério Alves Rosa Junior. Victor Rosa Gouveia. Pós-Produção: Luís Felipe Abbud, João Generoso Gonzales.
A proclamação de Dom Pedro I às margens do rio Ipiranga não teve repercussão imediata pelo país. Ao contrário do que se pode imaginar, os jornais da Corte do Rio de Janeiro não acolheram o ‘grito de independência’, tampouco Pedro I especificou o episódio em Carta dirigida aos paulistas à época. Em 1876, o periódico paulistano O Polichinello, do qual Luiz Gama era editor, dizia que ‘o 7 de setembro é a página mais sombria que se pode escrever no livro de uma História Nacional; é a eterna condenação de um povo inteiro porque consentiu que no seio livre e democrático da América se assentasse um trono […]’. Assim, a data teve que ser construída na história nacional, em meio a um processo social e político amplo que ocorreu ao longo do século XIX e XX.
No Rio de Janeiro, foram erguidas a estátua equestre de D. Pedro I na Praça da Constituição, em 1962, e a escultura em homenagem a José Bonifácio, o patriarca da independência, no Largo do São Francisco, em 1872. Cinquenta anos depois do episódio, a falta de um monumento em solo paulistano incomodava, como se nota no discurso do vereador José Homem Guedes Portilho em sessão da Câmara em 1875, registrado em ata: ‘Cuido não haver em São Paulo quem não veja com desagrado a gloriosa Colina onde irrompeu o imortal brado que trouxe ao Brasil a independência ainda erma de simples marco […]’.
O desejo de imortalizar a data de ‘fundação da nação’ se concretizou no marco do aniversário da independência no ano de 1885, com a criação do monumento-edifício de Tommaso Gaudenzio Bezzi, o Museu Paulista ou Museu do Ipiranga. Além de sua dimensão simbólica e celebrativa, era também uma proposta urbanística. A abertura de rua ou avenida, bem como a delimitação dos terrenos destinados ao monumento e à praça, influenciaram a ocupação e o loteamento de importantes áreas no Ipiranga, uma das entradas de São Paulo e acesso ao principal porto exportador em Santos.
O edifício foi gradualmente adquirindo importância na cidade, tornando-se local de passeios e com seu entorno servindo de palco para festividades. Em outubro de 1912, a Lei N. 1324 autorizou a construção de um monumento que deveria reforçar a memória da Independência, também no Ipiranga.
O concurso para o monumento do Centenário da Independência foi aberto apenas em 1917. Cerca de 20 projetos foram inscritos e o vencedor unânime foi o do escultor Ettore Ximenes. Para Affonso Taunay, secretário da comissão de julgamento e diretor do Museu Paulista desde 1917, esse projeto era o mais equilibrado. Segundo Taunay, grande parte dos concorrentes não levaram em conta, na medida desejável, a necessidade de incorporar elementos capazes de evocar fatos e pessoas da história; muitas vezes retratando-a de forma alienada. Seu parecer, registrado em ata da comissão de julgamento do concurso, dizia: ‘À grande técnica do escultor alia-se a competência do arquiteto de primeira ordem que a ele se juntou. A sua nota brasileira é a única intensa, embora ainda me pareça muito insuficiente.’ Sendo assim, o júri do concurso deixou claro que o projeto de Ximenes não deveria ser executado tal como fora concebido. As figuras alegóricas que decoravam as faces do monumento foram consideradas inoportunas, por exemplo, e acabaram sendo substituídas por quadros de baixo-relevo, em que foram representados outros episódios da luta pela independência outrora esquecidos.
O Monumento do Ipiranga tem Dom Pedro I como personagem principal, além de 30 figuras que influenciaram a Independência. Entre elas: José Bonifácio de Andrada e Silva, o Patriarca da Independência; Hypólito José da Costa, o jornalista da independência; Joaquim Gonçalves Ledo, chefe do Movimento de Independência no Rio de Janeiro; e Diogo Antônio Feijó, regente no segundo império. Tiradentes, o ‘Mártir da Inconfidência’ mineira, encontra-se em um quadro de sete figuras com 3 metros de altura, e os revolucionários pernambucanos chefiados por Domingos José Martins, em outro. Com área total de 1600m², o concreto armado atinge altura de 12 metros, aprofundando-se 9 metros desde o nível do solo. O granito cinza foi trazido da Itália, assim como parte das peças de bronze fundido. O restante foi feito na Vila Prudente, em São Paulo, em uma fundição montada por Ximenes. A obra foi inaugurada ainda inacabada em 7 de setembro de 1922, e acabou custando o dobro de seu orçamento, só sendo concluída em 1926, ano da morte de seu construtor.
Para reforçar ainda mais o significado daquele local, projetou-se a construção de uma cripta no interior do monumento, que funcionaria como Capela Imperial, em 1953, onde hoje repousam os corpos de Dom Pedro I e de suas duas esposas, Maria Leopoldina de Áustria e Dona Amélia Beauharnais.
O caráter militar e religioso do monumento foi, com o tempo, perdendo notoriedade para a escala da cidade de São Paulo, ainda mais depois do fechamento do Museu Paulista, em 2013, para sua restauração.
Referências
- Ana Cláudia Fonseca Brefe (2003). História nacional em São Paulo: o Museu Paulista em 1922. Anais do Museu Paulista, (011), 79-104.
- Janaína Cordeiro (2007). Lembrar o passado e festejar o presente. As comemorações do Sesquicentenário da Independência entre consenso e consentimento (1972). Anais do XIII Encontro de História.
- Giovanna Fluminhan. Lugares de memória em São Paulo: o Monumento à Independência no Ipiranga. Relatório Final de Iniciação Científica. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2014.
- Miyoko Makino. Ornamentação do Museu Paulista para o Primeiro Centenário: construção de identidade nacional na década de 1920. Universidad de São Paulo, Museu Paulista, 2003.
- Cecília Helena de Salles Oliveira (1995). O espetáculo do Ipiranga: reflexões preliminares sobre o imaginário da Independência. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, 3(1), 195-208.