Depois do Banho

Toda galante… Toda Nua…

Texto: Karen Steinman Martini. Modelagem 3D: Victor Rosa Gouveia. Pós-Produção: Luís Felipe Abbud, João Generoso Gonzales.

A obra Depois do Banho, do escultor Victor Brecheret, foi instalada na década de 1940 no Largo do Arouche e é um dos poucos nus artísticos expostos pela cidade. Realizada no período da Segunda Guerra durante a paralisação das obras do Monumento às Bandeiras, após um congelamento de verbas por parte do Estado, a obra faz parte de um plano de embelezamento de São Paulo, no qual a Prefeitura comissionou obras do escultor para inauguração de novos logradouros. Neste período, foram são realizadas as obras Graça I e Graça II para a Galeria Prestes Maia, no Anhangabaú reformulado, e o Fauno, instalado no jardim da Biblioteca Municipal, atual Praça Dom José Gaspar. A obra faz parte de uma pesquisa iconográfica do escultor que já havia apresentado obras semelhantes de mesmo nome em uma exposição no Salon des Indépendents em Paris, em 1929, e posteriormente instala a obra Depois do Banho (em pé), no Salão Nobre do Palácio do Planalto.

Sua localização no Largo do Arouche, um território de disputa LGBTQIAA+ e de conflito entre moradores do entorno e frequentadores, a coloca também como símbolo ao qual diferentes significados são associados. Em lançamentos imobiliários da região e propagandas de restaurantes presentes no Largo, a obra é descrita como reluzente escultura em bronze e associada a ideias de beleza e tradição. Para movimentos que lutam pelo reconhecimento deste como um território LGBTQIAA+, a escultura de um corpo nu feminino ganha apropriações articuladas a discussões sobre a opressão a qual corpos não-hegemônicos são submetidos. Em uma campanha divulgada em redes sociais da marca de roupas orgulhese, do produto Boné Travesti, a estátua recebeu destaque, ligada ao poema: A Travesti….”Depois do Banho”…Toda fresca…Toda plácida…Toda galante… Toda nua… A obra também se tornou personagem principal da peça “Diana” de Celso Frateschi. Encenada pela primeira vez em 1999, a peça conta sobre um professor que, desiludido com as relações humanas, passa a se comunicar apenas com objetos e se apaixona pela mulher da escultura ‘Depois do Banho’, a quem batiza de Diana.

Uma das questões mais evidentes relacionadas a obra atualmente é o vandalismo. Sandra Brecheret Pellegrini, filha de Victor Brecheret, em entrevista com o Estado de São Paulo, comenta: “A que mais me preocupa é Depois do Banho no Largo do Arouche, sem nenhuma proteção”. Moradores do entorno frequentemente compartilham preocupações em relação aos usos e intervenções na escultura. “Eles cheiram na pedra da escultura. Já vi até gente fazendo sexo ali em cima”, relata uma mulher que diz morar há 43 anos na região do largo. A estátua faz parte de um conjunto de 10 monumentos instalados no local, incluindo um Jardim de Esculturas – uma série de 5 bustos criada pela Academia Brasileira de Letras. O busto do escritor Guilherme de Almeida, inclusive, foi roubado em 2001 e substituído por uma escultura de autor anônimo, representando um rosto com traços negros com um parafuso saindo de seu queixo, contrastando com as demais imagens de homens brancos e de terno.

A série de apropriações e leituras sobre a figura do monumento Depois do Banho, assim como as esculturas de seu entorno, no Largo do Arouche, demonstram uma reivindicação por visibilidade, servindo como plataforma para discursos e demandas, em um espaço no qual questões interseccionais de gênero, raça e identidade estão latentes.

Referências

  1. Irene Barbosa de Moura. A cidade e a festa: Brecheret e o IV Centenário de São Paulo. Tese de Doutorado em História Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), 2010.
  2. Octavio Pontedura. Varanda para o Arouche. Refúgios Urbanos, sem data.
  3. Tiely Santos. Post no Facebook, 26 de Março de 2020.
  4. Edison Veiga. Brecheret por quem entende do assunto. O Estado de São Paulo, 9 de Agosto de 2012.
  5. Marcelle Souza. Sujo, largo do Arouche vê destruição de esculturas. Agora São Paulo, 25 de Março de 2011.
  6. Gustavo Fioratti. Escultura misteriosa substitui busto furtado no largo do Arouche, em SP. Folha de São Paulo, 10 de Agosto de 2018.
  7. Diana Junkes. Diana: a necessária fratura do cotidiano em tempos de pandemia. Revista Cult, 19 de maio de 2020.

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