Luiz Gama

Homenagem dos pretos do Brasil: a luta por um monumento negro no início do século XX

Isis Kanashiro J. A. Soares.

Na cidade de São Paulo, apenas seis dos 368 monumentos erguidos representam pessoas negras. A herma de Luiz Gama foi o primeiro deles, concebida por Yolando Mallozzi e inaugurada em 1931. Localizada no Largo do Arouche desde que é conhecida, a escultura de bronze elevada em um pedestal de 1,5 metro de altura é um importante marco histórico da luta do movimento negro, tanto pela trajetória da figura histórica que representa, quanto pelos esforços levantados pela comissão responsável em uma batalha para eternizar seu primeiro representante em uma praça pública da cidade. No pedestal da obra, encontra-se registrada a inscrição: “Por iniciativa do Progresso, homenagem dos pretos do Brasil”.

Reconhecer a história do homem retratado neste monumento é fundamental para que se dimensione a importância da obra. Luiz Gama nasceu em Salvador, Bahia em 1830. Ainda quando criança, foi escravizado ilegalmente e, nessas condições, embarcado para o Rio de Janeiro. Quando adolescente, aprendeu a ler e, aos 17 anos, fugiu da casa onde residia e conseguiu provar juridicamente sua liberdade. Gama, então, se dedicou a empregos públicos e obteve o direito de advogar, dados os seus largos conhecimentos adquiridos na área. Desse momento até o fim de sua vida, o advogado libertou dezenas de pessoas escravizadas, conquistou a atenção da imprensa com seus casos brilhantes e teve ao seu redor inúmeros aliados de diferentes setores da sociedade. Sua relevância era tamanha que, na data de seu falecimento em 1882, milhares de pessoas participaram de um cortejo fúnebre que cruzou as ruas de São Paulo. Quase 50 anos depois desse fato, quando a imprensa negra inicia uma campanha para erguer um monumento que cumpra o papel de “elevar o nome dessa raça”, Luiz Gama é o escolhido. 

A campanha pelo monumento, liderada pelo jornal Progresso, representante da imprensa negra, não foi a única ação que buscou erguer personagens da luta abolicionista à época. Como revelado por Stumpf e Vellozo (2018), o Diário Nacional noticiou em 1930, paralelo à campanha do Progresso por Gama, a iniciativa pela construção da herma de Ruy Barbosa coordenada pelos estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Além dessas empreitadas, outras campanhas foram pensadas nesse período, como a iniciativa para erguer um monumento à Mãe Preta.  

Ainda que Luiz Gama fosse uma figura respeitada e admirada pela população, levantar seu monumento não foi tarefa fácil à comissão organizadora do jornal Progresso. Programada para ser inaugurada em junho de 1930, no primeiro centenário de nascimento do advogado, a herma só viria a ser disposta no Largo do Arouche dezessete meses depois. Nesse meio tempo, a “Comissão Pró-Herma Luiz Gama” sofreu pela negligência do poder público, por adiamentos, intervenções no projeto até a total falta de recursos financeiros. Por esse motivo, foram organizados diversos eventos destinados à arrecadação, desde um festival no Theatro Municipal até um jogo de futebol com a participação do maior jogador brasileiro à época. Os registros do Progresso e outros jornais demonstram as dificuldades enfrentadas até a inauguração da herma em novembro de 1931, fora de qualquer data especial para o movimento abolicionista. Enquanto isso, os estudantes do Largo do São Francisco já haviam inaugurado, há tempos, mais que uma herma: uma estátua de Ruy Barbosa no Vale do Anhangabaú, sem dificuldade alguma.

Nove décadas depois, a figura de Luiz Gama permanece no Largo do Arouche, observando do alto todos que cruzam aquele ponto movimentado no centro da cidade. A referência que o jornal Progresso visou edificar também perdura: o monumento não entra na lista das figuras de pedra desconhecidas da cidade; ele é, até hoje, um ponto de encontro de manifestações culturais e políticas da população negra que reconhece a memória daquele espaço como historicamente sua — noventa anos depois! 

Nos últimos anos, Luiz Gama vem ganhando cada vez mais visibilidade e reconhecimento. Em 2021, recebeu o título de doutor honoris causa, concedido pela instituição que na sua juventude o renegou, a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Diversas obras literárias se dedicam a sua trajetória, dentre elas, destaca-se o romance Um Defeito de Cor, que baseia-se na história de sua mãe, Luiza Mahin. Da nova safra de livros também surge a recém-lançada Obras Completas de Luiz Gama, que compila escritos do advogado em cerca de 5000 páginas. E, finalmente, Luiz Gama virou filme – em 5 de agosto de 2021, estreou Doutor Gama, levando sua história também às telas do cinema.

Referências

  1. Instituto Pólis. Quais histórias as cidades nos contam?. 2021.
  2. Petrônio Domingues. A aurora de um grande feito: a herma a Luiz Gama. Revista do Programa de Pós Graduação em História. UFRGS, 2016.

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