Ubirajara

O índio com nome (im)próprio

Giovanna Fluminhan.

É inegável a participação dos povos originários no repertório cultural do romantismo brasileiro, desde o século XIX. A primeira escultura de uma figura indígena na cidade de São Paulo, e a única com um nome próprio, retrata o herói Ubirajara do livro homônimo, de 1874, do escritor José de Alencar, autor também de Iracema e O Guarani. A escultura de Francisco Leopoldo e Silva traz em si as ambiguidades culturais, sociais e políticas já apresentadas no personagem fictício: um nativo puro, ainda não corrompido pela cultura européia, mas que trava sua luta com outros povos com o fim de formar uma única nação indígena. A cena retrata a vitória do araguaia Jaguarê – que passa a chamar-se Ubirajara – sobre o tocantin Pojucã, descrita no romance.

O escultor irmão de Dom Duarte Leopoldo e Silva, primeiro arcebispo de São Paulo, executou dois monumentos para a Paulista na década de 1920 – avenida que já neste período constituía um importante e nobre corredor na cidade, de espaços e eventos cívicos e culturais. As duas eram representações de indígenas, ainda que o artista seja mais reconhecido pela especialização em nus artísticos femininos e pela formação clássica, com influência das obras de Auguste Rodin.

A escultura Ubirajara foi alocada primeiro na esquina da Paulista com a rua Brigadeiro Luís Antônio, em 1926. Dois anos depois, a segunda obra do artista, Índio Pescador, também foi instalada na avenida. Em 1935, à frente do Parque Tenente Siqueira Campos, ou Trianon, foi colocado o monumento ao Anhanguera, conhecido como um dos primeiros bandeirantes do Brasil. O espaço e trajeto destinado a essas esculturas deixaria evidente a preferência de narrativa adotada pela cidade. A avenida, que ganhou outro nome em 1927, voltou a ser chamada Paulista três anos depois, como ‘jamais deveria ter sido alterada […] [pois] recorda, numa só palavra, todo o indefeso trabalho e honra da gente paulista’.

Esculpida em bronze e com pedestal em granito, Ubirajara permaneceu neste local até a década de 1970, quando a avenida passou por obras de ampliação e modernização. A escultura foi então transferida para o largo homônimo ao monumento, no bairro do Belém. Talvez por sua imagem não retratar a gente paulista; talvez por não caber mais na Paulista duas representações de ‘índios’ tão próximas; talvez por o Largo Ubirajara, nomeado em 1930, pedir por uma maior lembrança de seu significado. Fato é que, desde então, o monumento enfrenta o esquecimento e a falta de apropriação por parte da população.

No final de 2018, a Prefeitura de São Paulo publicou um edital de chamamento para o financiamento de um novo restauro da escultura, que não teve interessados, restando à própria Secretaria Municipal de Cultura arcar com os custos da obra.

Referências

  1. Paulo Knauss (2014). Índios no salão de arte: representação étnica na escultura do século XIX. Conexões: ensaios em história da arte.
  2. Instituto Pólis. Quais histórias as cidades nos contam? A presença negra nos espaços públicos de São Paulo. São Paulo, 2020.
  3. Daniel Salles. Quem vai salvar Ubirajara? São Paulo: Elástica, Abril (2020).

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