Cripta Imperial

Cripta Imperial

Dom Pedro sem coração

Rebeca Lopes

A Cripta Imperial está localizada no Parque do Ipiranga, abaixo do Monumento à Independência. Trata-se de uma pequena sala, um mausoléu, que abriga os restos mortais do imperador Dom Pedro I e de suas duas esposas, a Imperatriz Maria Leopoldina de Viena e Dona Amélia de Leuchtenberg.

Fruto de um concurso levado a cabo em 1917, o Monumento à Independência foi projetado com o intuito de criar um monumento  propriamente  brasileiro para o centenário da independência, em um momento de fervorosos debates sobre a construção de uma identidade nacional.

A cripta foi inaugurada trinta e seis anos depois, em 1953. Já no ano seguinte, recebeu o corpo da imperatriz Leopoldina que foi transferido desde o Rio de Janeiro, onde ficavam a maioria dos vestígios do Brasil Imperial. Já os restos de Dom Pedro foram trasladados da Cidade do Porto, em 1972, no âmbito das comemorações do aniversário da independência – pensadas, pelos militares, para exaltar o nacionalismo brasileiro –, em um evento que não deixou por menos.

Os despojos de Dom Pedro seguiram o mesmo percurso de 4.000 milhas de Pedro Álvares Cabral e aterrissaram na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, em 22 de abril de 1972, dia do  descobrimento  (do ponto de vista europeu) do Brasil. Ainda na capital carioca, a urna foi ancorada no Morro da Viúva, seguiu em cortejo para o Monumento aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, no bairro da Glória. Depois, seguiu para o Aterro do Flamengo, onde o presidente português Américo Thomaz entregou-a ao presidente brasileiro Garrastazu Médici, em um evento público que contou com mais de 10.000 pessoas. De lá, seguiu para a Quinta da Boa Vista, antiga residência de Dom Pedro, onde a urna ficou exposta para a visitação por três dias. A urna ainda viajou por diversas capitais, até o dia 02 de setembro de 1972. Os restos mortais de Dom Pedro foram então finalmente transladados da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, à Estação da Luz, em São Paulo. Isso foi feito em um vagão especialmente preparado, com a presença de professores, acadêmicos, historiadores e militares que compunham a Comissão de Festejos do Sesquicentenário. No dia seguinte, foram realizadas missas em todo o país e, em São Paulo, na Catedral da Sé. No Dia da Independência, finalmente as comemorações se encerraram com a chegada dos despojos na Cripta Imperial. Quatro anos depois, o corpo foi devidamente acomodado no mausoléu e, em 1984, chegaram os restos da segunda esposa do imperador, Dona Amélia, desde Lisboa.

O processo de transferência dos corpos desde Portugal ao Brasil demorou, portanto, mais de 30 anos e não foi livre de disputas. Portugal resistia em enviar o corpo de Dom Pedro I para São Paulo. Somente em 1971, o presidente português Américo Tomaz aceitou enviá-lo para o Brasil com a condição de que o coração de Dom Pedro permanecesse em Portugal. Aos portugueses, Tomaz declarou que se tratava de ‘um símbolo de uma raça que, dividida entre duas Pátrias, permanece, todavia, fiel à alma que lhe dá caráter no mundo e inspira pelos tempos afora os destinos lusíadas’ (apud FLUMINHAN, 2014, p. 12).

As razões relativas aos interesses do município paulista em abrigar o corpo de Dom Pedro e suas esposas relacionam-se a questões mais amplas e complexas. No âmbito mais imediato, a instalação da cripta reforçava o significado simbólico do monumento à Independência, especialmente como o lugar ‘de origem’ da nação. E ainda, a presença dos corpos lhe atribuiria um valor funerário (FLUMINHAN, 2014) e, portanto, de sacralidade.

Na primeira metade do século XX eram notáveis os esforços do governo municipal e estadual de criar uma identidade propriamente ‘paulista’ e de elevar os seus à protagonistas heróicos do país. Porém, nos anos 1970 esta questão já não era prioridade. Como São Paulo já estava consolidada enquanto principal metrópole do país, o foco das políticas de construção de memórias oficiais voltava-se mais ao passado imperial (MONTEIRO, 2017). A construção da cripta não deixou de marcar São Paulo como o berço da nação, mas os esforços para a construção de uma memória da independência da república iam no sentido de reforçar uma suposta independência econômica nacional que, diga-se de passagem, nunca aconteceu.

Referências

  1. Giovanna Fluminhan, Lugares de memória em São Paulo: o Monumento à Independência no Ipiranga. Relatório Final de Iniciação Científica. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2014.
  2. Michelli Monteiro. São Paulo na disputa pelo passado. Tese de doutorado. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2017.

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