A propósito do nosso post sobre o Monumento a Ramos de Azevedo, o professor e arquiteto Cesar Sartolrelli conta que a família do arquiteto se recusou a ir à inauguração do conjunto escultórico porque os lábios do arquiteto foram modelados muito grossos, insinuando ascendência africana. Nas palavras do Professor Carlos Lemos, “Dizem que a família detestou a massa escultórica, chegando mesmo o seu filho a reclamar do escultor, que retratara o pai com ‘beiçola de negro’”. Se você tinha alguma dúvida sobre o que quer dizer “racismo estrutural”, essa história esclarece.
Atropelado pelo progresso
Por Isabela Leite
O Monumento a Ramos de Azevedo, também conhecido como Monumento ao Progresso, é uma obra do italiano Galileo Emendabili (o mesmo do Monumento à Independência). Foi inaugurado no dia 25 de janeiro de 1934, aniversário de São Paulo, como uma das homenagens ao arquiteto-engenheiro Francisco de Paula Ramos de Azevedo, falecido em 1928.
A obra realizada a partir de doações foi dedicada ao homenageado, mas sua própria figura, o monumento em si e a data de inauguração evocam uma narrativa mais elaborada. O conjunto escultórico de Emendabili, com seus 25 metros de altura, constrói de sua base até seu topo a imagem que São Paulo queria consolidar para si – de centralidade e metrópole nacional moderna, vinculada ao crescimento econômico da burguesia emergente da época. Como coloca Gutiérrez (2009, p. 31) sobre São Paulo: ‘Sua identidade particular teria raízes na figura mítica do Bandeirante, e Ramos seria sua representação atual’.
Ramos, junto a seu escritório, teve extrema importância na transformação arquitetônica de São Paulo na virada do século XIX para o século XX. Naquele momento, a cidade tentava se alinhar cada vez mais com a cultura e arte europeias, tidas como modernas, e nada melhor do que marcar esta noção de progresso com um enorme monumento.
O local escolhido foi a Avenida Tiradentes, em frente à entrada do Liceu de Artes e Ofícios (atual Pinacoteca do Estado de São Paulo), prédio construído pelo homenageado e do qual ele foi vice-presidente em 1895. Além disso, o monumento ‘se dirigia às margens da cidade, como que puxando-a ao futuro, com seu cavalo do ‘Progresso”.
Porém, ironicamente, foi a evolução deste mesmo chamado progresso evocado pelo Monumento que fez com que ele passasse a ser malquisto. Na década de 1960, a obra passou a ser vista como um estorvo, como um problema para o trânsito de automóveis que vinham da Zona Norte em direção ao Centro. E soma-se a isso o início da construção do eixo norte-sul do metrô, linha 1, que passaria pelo local.
Iniciou-se, então, uma série de discussões, que chegaram à Câmara Municipal. Surgiram diversas sugestões, como: retalhar o monumento, mantendo a figura de Ramos na Av. Tiradentes e espalhando o restante por jardins públicos de São Paulo; realocá-lo para o Jardim da Luz; para a Praça Coronel Fernando Preste, onde fica o Edifício Ramos de Azevedo; ou colocá-lo em uma ala do Parque Dom Pedro II.
Mas o processo, tanto para desmontar quanto para remontar este enorme conjunto escultórico, era bastante complexo. Especialmente no que diz respeito a retirar o cavalo alocado no seu ponto mais alto. Esta complexidade também trazia um valor bastante alto, o que fez com que a prioridade, definida pela Câmara, fosse o desmonte mesmo sem a remontagem programada. Com isso, iniciou-se o processo e em 1968 o monumento foi completamente retirado da Avenida Tiradentes. Ele foi colocado temporariamente no Jardim da Luz, enquanto definia-se o local para qual iria e qual montante poderia ser gasto com isso. O problema é que o monumento ficou abandonado nesta espera, até 1974, e teve peças menores roubadas e tentativas de serragem de outras peças.
Por fim, decidiu-se colocá-lo na Cidade Universitária, o que faria com que o Monumento ficasse próximo à Escola Politécnica, local que se relaciona fortemente com a história do homenageado, numa tentativa de recuperar o significado simbólico da obra. Mas, em 1975, ele foi reinaugurado sem muito sucesso neste quesito.
Imagem: Retrato de Ramos de Azevedo. Oscar Pereira da Silva. Casa das Rosas.
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