Índio Pescador

No começo da Paulista tem um índio

Giovanna Fluminhan.

O monumento ao Índio Pescador foi o segundo de autoria de Francisco Leopoldo e Silva dedicado à representação indígena na cidade de São Paulo, depois de Ubirajara. O artista paulista estudou no Liceu de Artes e Ofícios da cidade e, quando jovem, na Academia de França, em Paris, junto de Victor Brecheret.

Nos salões franceses, já no século XIX, a chamada escultura etnográfica ganhara gosto. E as imagens da fauna e dos indígenas do Brasil tiveram notoriedade pelas mãos do escultor Louis Rochet, que ficou responsável por executar as obras em bronze para a Estátua equestre de Dom Pedro I, instalada no Rio de Janeiro em 1862. Rochet se dedicou a preparar estudos e modelos para a sua criação, e sua preocupação é perceptível nas figuras do pedestal desta obra, em que as marcas étnicas particularizam os rostos indígenas de acordo com a sua origem. A expressão e indumentária distinguem os personagens e fogem do genérico, ainda que seus corpos não tenham o mesmo tratamento, valorizando o domínio da musculatura e do movimento gestual na composição.

As obras de Francisco Leopoldo, no entanto, não parecem trazer consigo essa mesma influência. Os estudos na Europa lhe serviram para aprimorar o domínio técnico e o padrão clássico em suas esculturas, o que pode ser percebido em seus nus femininos e também em suas duas representações indígenas mais famosas. O Ubirajara e o Índio Pescador, ambos projetados para a Avenida Paulista, são figurativos, afastados da realidade e próximos da imagem do selvagem que foi construída na história do Brasil.

Também, a própria figura do pescador e da fonte é uma alegoria ocidental bastante monumentalizada, como já havia sido executada um ano antes, em 1927, com a Fonte Monumental na Praça Júlio Mesquita. Por outro lado, o pescador de Francisco Leopoldo tem o mérito de trazer, onde a Paulista começa, o “índio” como protagonista dessa atividade primária e essencial. 

A escultura, que já chegou a receber a Pequena Medalha de Ouro do Salão de Belas Artes do Rio de Janeiro, hoje encontra-se negligenciada e deteriorada. Sua fonte já não funciona e está seca há muitos anos, sua lança foi roubada e nunca mais recuperada, seu corpo sofre com o abandono e falta de manutenção. Assim, humanos e não humanos intervêm e se apropriam dela. 

Em maio de 1972, o jornal Folha de S. Paulo contava que, com um buraco na escultura causado provavelmente por uma pedrada, uma colméia de abelhas se formou na cabeça oca do índio. Fosse talvez um guarani do Jaraguá, o Índio Pescador ali teria se tornado o Índio Apicultor. Já no final dos anos 2000, foi a vez do Índio Ciclista tomar lugar, empunhando uma roda de bicicleta no lugar da lança – que já havia sido roubada e, por isso, os interventores tiveram o cuidado de prender a roda com uma corrente. Hoje, a Praça Oswaldo Cruz é ocupada por pessoas em situação de rua, outro grupo negligenciado pelo poder público, que fazem companhia ao monumento.

Referências

  1. Da Redação. Os monumentos da cidade à mercê dos depredadores. Folha de S. Paulo (1972).
  2. Instituto Pólis. Quais histórias as cidades nos contam? A presença negra nos espaços públicos de São Paulo. São Paulo, 2020.
  3. Daniel Bergamasco. Prefeitura retira roda que “surgiu” em estátua de índio na avenida Paulista. Folha de S. Paulo (2009). 
  4. KNAUSS, Paulo (2013). Jogo de olhares: índios e negros na escultura do século XIX entre a França e o Brasil. História (São Paulo) v.32, n.1, p. 122-143.
  5. KNAUSS, Paulo (2014). Índios no salão de arte: representação étnica na escultura do século XIX. Conexões: ensaios em história da arte.

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