O índio que ficou fora da República
Giovanna Fluminhan.
Dos doze monumentos localizados na Praça da República, sete tratam de bustos ou referências a pessoas reais, dois não representam figuras humanas e três são representações humanas de personagens fictícios. É neste último grupo que, mais uma vez, encontramos uma representação indígena na cidade de São Paulo.
O monumento de autoria de João Batista Ferri – artista que trabalhou ao lado de Ramos de Azevedo, como mestre de obras, e de Ettore Ximenes, como ajudante na construção do Monumento à Independência – foi batizado como Índio Caçador. A escultura, feita em bronze sobre um pedestal de granito, traz algumas características reconhecidas do realismo adotado pelo autor, como a riqueza em detalhes da forma humana e o tamanho próximo do real. Embora ainda possivelmente se trate de um “índio” idealizado, cujas especificidades para além do figurativo não podem ser determinadas pela observação da obra .
Índio Caçador foi encomendado pelo então prefeito Prestes Maia para ornamentar o centro de São Paulo. Guanabara, outra obra de Batista Ferri, ora descrita como uma mulher indígena, ora não, também foi encomendada no mesmo contexto. A implantação e orientação do monumento na Avenida Vieira de Carvalho nos diz algumas coisas, mesmo que não se possa afirmar terem sido pensadas propositalmente – como foi o caso do Monumento às Bandeiras, no Ibirapuera, quinze anos depois. Das esculturas atribuídas à Praça da República, esta é a única deixada fora do seu perímetro, na via que começa a oeste do largo. O “índio” observa de longe a mata implantada na praça, com olhar um pouco melancólico, como quem olhava procurando e encontra algum impróprio ou incômodo.
Datado do ano de 1939, o monumento foi concebido em meio ao Estado Novo de Getúlio Vargas, responsável pela Marcha para o Oeste. Tal projeto determinava a povoação das regiões norte e centro-oeste do país, através de uma política territorialista. A construção de rodovias e a criação de colônias de habitação nos estados de Goiás, Mato Grosso, Amazonas, Pará e Maranhão contribuíram muito para a repressão dos povos indígenas e seus modos de vida em nome do desenvolvimento econômico nacional. A invenção do Brasil Central reproduzia mais uma vez a história contada sobre o descobrimento do Brasil, em 1500 – a respeito das missões jesuíticas no século XVII e dos bandeirantes no século XVIII – inserida num processo amplo de apagamento e dizimação do território original.
Assim como outros monumentos da mesma época na região, o Índio Caçador sofre com a falta de preservação e manutenção por parte do poder público e da população. É possível notar algumas marcas de pichações e escoriações em seu corpo, além de muitas vezes intervenções urbanas passarem despercebidas aos olhos do Estado.
O nome de uma outra obra do grupo de esculturas da Praça da República nos faz pensar se essa história um dia será escrita na narrativa oficial do país. “Amizade entre os Povos”, no entanto, nada tem a ver com os povos originários brasileiros.
Referências
- ALEXANDRE, Valentim (1993). Ideologia, economia e política: a questão colonial na implantação do Estado Novo. Análise Social, v. 28, n. 123/124, p. 1117-1136.
- Thiago Amâncio. Praça da República de SP tem estátuas de todos os tipos, mas nenhuma da República. Folha de S. Paulo (2018).
- AUGUSTO, Wilian Carlos Batista; DEL LAMA, Eliane Aparecida (2011). Roteiro geoturístico no centro da cidade de São Paulo. Terrae Didatica, v. 7, n. 1, p. 29-40.
- SARAIVA, Márcia Pires (2013). Uma pedagogia para os índios: A Política Indigenista de Getúlio no Contexto do Estado Novo (1937-1945). Revista Margens Interdisciplinar, v. 7, n. 9, p. 213-229.